ABELHAS
APIDAE :
ABELHAS EUGLOSSINI
Com
pouco mais de 200 espécies, e apenas cinco gêneros
(Aglae, Eufriesea, Euglossa, Eulaema e Exaerete), as abelhas
Euglossini são de grande importância na polinização
de orquídeas neotropicais. Algumas subtribos de orquídeas
neotropicais (Catasetiinae, Stanhopeinae) são exclusivamente
polinizadas por machos destas abelhas. Os machos de abelhas Euglossini
visitam as flores para coletar compostos aromáticos, terpenos
e sesquiterpenos que são secretados por regiões especializadas
do labelo. Estas abelhas apresentam adaptações morfológicas
para a coleta destas substâncias. As substâncias são
raspadas com estruturas como esponjas no primeiro par de patas e
transferidas em vôo para estruturas esponjosas no segundo
e terceiro par. No terceiro par de patas observa-se uma grande dilatação
das tíbias, onde os compostos são estocados pelas
abelhas. A função destes compostos é motivo
de debate e ainda não foi esclarecida, mas é possível
que intervenham no processo de acasalamento, como fator de reconhecimento
específico e/ ou de seleção sexual (Lunau 1992,
Singer & Koehler 2003). Nos anos 60, a síntese de muitos
dos compostos atrativos para machos de Euglossini permitiu utilizar
estes compostos como ferramentas para o estudo da polinização
de orquídeas. Pedaços de papel são embebidos
nestes compostos químicos e a seguir são colocados
em locais bem expostos ao vento. Machos de Euglossini atraídos
nas iscas são capturados e verifica-se se eles estão
ou não carregando polinários de orquídeas.
Quando já existe um levantamento florístico das orquídeas
do local, com freqüência é possível determinar
os polinários a nível de gênero e espécie.
Esta metodologia permitiu estudar as interações entre
comunidades de orquídeas e suas abelhas polinizadoras. Existem
completos censos de abelhas Euglossini (e dos polinários
de orquídeas que elas eventualmente carregam) para algumas
regiões da América Central (Ackerman 1982, Roubik
& Ackerman 1986) e, mais recentemente, para a região
de Picinguaba (Município de Ubatuba, São Paulo) (Singer
& Sazima 2004, no prelo). Em geral, todos estes trabalhos apresentam
alguns pontos em comum: nem todas as espécies de Euglossini
de uma localidade estão envolvidas em polinização
de orquídeas. Entre 22 e 30 % das espécies de uma
determinada comunidade de Euglossini, não apresentaram quaisquer
inter-relação evidente com espécies de orquídeas.
Isto pode parecer paradoxal, mas acontece que as abelhas Euglossini
podem conseguir os compostos aromáticos não apenas
em orquídeas, mas também em flores de outras famílias
de angiospermas (algumas Araceae, Apocynaceae, Bignoniaceae, Euphorbiaceae,
etc.), bem como em outras fontes não florais (seiva de árvores,
madeira podre, fungos, etc.). A seguir, alguns grupos de orquídeas
representativas da Flora Brasileira e que são polinizadas
por machos de abelhas Euglossini.
Subfamília
Epidendroideae, subtribo Catasetiinae: todas as espécies
desta subtribo são polinizadas por machos de abelhas Euglossini.
Nos gêneros Catasetum e Cycnoches verifica-se
a produção de flores unissexuais (flores masculinas
e femininas em plantas diferentes) (Figuras 8
e 9). As flores femininas em geral
são esverdeadas, mais duradouras e coriáceas. As flores
masculinas são mais coloridas e efêmeras. Ao que parece,
o que determina o sexo das flores que vão ser produzidas
é a quantidade de luz solar recebida pela planta: plantas
expostas a sol pleno produzem flores femininas; aquelas crescendo
em locais mais sombrios, produzem flores masculinas. As flores masculinas
do gênero Catasetum são famosas pelo modo
de aderir o polinário nos polinizadores. O polinário
encontra-se em tensão, rodeado por dois apêndices da
coluna denominados “antenas”. Quando as abelhas raspam
o labelo procurando os compostos aromáticos e contatam as
antenas, o polinário é ejetado no dorso das abelhas.
Em geral, o polinário se adere no escuto (Figura
8), mas pode acontecer que ele
se fixe acidentalmente em alguma pata ou até nas asas (e,
neste caso, impossibilitando o vôo da abelha).
Subfamília
Epidendroideae, subtribo Stanhopeinae: esta subtribo de orquídeas
é também polinizada na sua totalidade por machos de
abelhas Euglossini a procura de compostos aromáticos. Estas
flores apresentam amiúde complexas morfologias florais e
mecanismos de polinização envolvendo flores armadilha
(gênero Coryanthes) onde o polinizador é temporariamente
retido na cavidade do labelo ou flores pendentes, onde o polinizador
escorrega e cai sobre a coluna, deslocando o polinário (Stanhopea,
Gongora) (Figura 11).
Há também mecanismos de polinização
menos complexos, onde a flor toda atua como plataforma de pouso
e os polinários se aderem na região ventral ou nas
patas dos polinizadores (gênero Cirrhaea) (Figura
11). Nesta subtribo de orquídeas
são freqüentes mecanismos prevenindo a autopolinização.
Em muitas espécies, a cavidade estigmática é
muito reduzida e é preciso que o polinário se desidrate
consideravelmente para poder ser inserido nela. Este mecanismo dificulta
que uma abelha deposite um polinário na mesma inflorescência
onde o adquiriu (pelo menos, durante a mesma visita) e, portanto,
aumenta as chances de polinização cruzada.
Subfamília
Epidendroideae, subtribo Zygopetaliinae: a literatura antiga (van
der Pijl & Dodson 1966 e obras ali citadas) sugere que a polinização
por machos de abelhas Euglossini seja importante nesta subtribo
de orquídeas. De fato, um grande número de orquídeas
desta subtribo do Norte da América do Sul e América
Central são polinizadas por machos destas abelhas. Na região
sudeste do Brasil, no entanto, outras mamangavas (abelhas Bombus?)
devem também ser importantes polinizadores. Embora a literatura
antiga sugira que Zygopetalum seja polinizado por machos
de Euglossini (van der Pijl & Dodson 1966), nossas observações
de campo ao longo de muitos anos não trouxeram qualquer evidência
sustentando esta idéia (Singer & Gerlach 2002). Pudemos,
no entanto, constatar que Promenaea stapelioides (epífita
mais ou menos comum no litoral de São Paulo) é polinizada
por machos de Euglossa cf. ignita, que carregam
os polinários na nuca (Figura 10).
Subfamília
Epidendroideae, subtribo Oncidiinae: esta subtribo de orquídeas
apresenta diferentes estratégias e polinização
e, como vimos antes, muitas espécies são polinizadas
por abelhas Apidae coletoras de óleos. Há, no entanto,
alguns gêneros de orquídeas Oncidiinae que oferecem
compostos aromáticos no labelo e são, portanto, polinizados
por machos de abelhas Euglossini. Todas as espécies do gênero
Notylia (incluindo Macroclinium) são polinizadas
enquanto machos Euglossini raspam o labelo para obter compostos
aromáticos (Singer & Koehler 2003a, Singer & Sazima
2004, em prensa) (Figura 12).
Em Notylia, verifica-se a ocorrência de 1) protandria e 2)
auto-incompatibilidade (impossibilidade de se formar frutos através
de autopolinização, por aborto das flores autopolinizadas).
As flores recém abertas apresentam a cavidade estigmática
fechada e podem apenas atuar como doadoras de pólen. Após
uns 2 ou 3 dias, a cavidade estigmática se abre e a flor
pode agora atuar como receptora de pólen e ser polinizada.
As abelhas tendem a visitar todas as flores disponíveis em
toda a planta e, visto que ambas fases florais podem coexistir na
mesma planta ou inflorescência, ocorrem algumas autopolinizações
e abortos induzidos pelos polinizadores (Singer & Koehler 2003a).
Recentemente (Singer & Gerlach 2002) pudemos verificar a presença
de polinários de uma orquídea Oncidiinae (provisoriamente
identificados como Rodrigueziopsis) no primeiro par de
patas de machos de Euglossa iophyrra. Através da
análise de mais polinários, bem como pela sua comparação
com polinários de flores vivas, hoje se pode afirmar que
esses polinários pertencem na verdade a Warminga eugenii,
uma pequena Oncidiinae epífita, filogeneticamente muito próxima
de Notylia. Ainda, pudemos verificar a visita de machos
de abelhas Euglossini em flores cultivadas de Macradenia paraense.
Macradenia é também filogeneticamente próximo
de Notylia e, como ela, apresenta protandria (Figura
12).
Estes fatos sugerem que a polinização por machos de
Euglossini seja um fato generalizado em um clado de Oncidiinae composto
por estes gêneros (Singer & Koehler 2003a).
próximo
tópico
|
Figura
8: Polinização de Catasetum spp
(Epidendroideae: Catasetiinae) por abelhas Euglossini. Flores masculinas.
A-B) Flores masculinas de Catasetum barbatum. C) Eufriesea
violascens visitando flor de Catasetum fimbriatum.
D) Eufriesea violascens com dois polinários de C.
barbatum aderidos no dorso.
Figura
9: Polinização de Catasetum spp
(Epidendroideae: Catasetiinae) por abelhas Euglossini. Flores femininas.
A) Seção longitudinal de flor feminina de Catasetum
trulla. B-C) Abelhas Euglossa visitando flores femininas
de Catasetum barbatum.
Figura
10: Polinização de Promenaea stapelioides
(Epidendroideae: Zygopetaliinae) por abelhas Euglossini. A) flor
de P. stapelioides. B) Coluna de P. stapelioides,
mostrando o polinário. C) Euglossa cf. ignita
com polinário aderido na região occipital.
Figura
11: Euglossini e orquídeas da subtribo Stanhopeinae.
A) Eufriesea violacea polinizando Gongora bufonia
(note-se que o animal tem um polinário aderido no escutelo).
B) Coluna de G. bufonia. C) Eufriesea violacea
com dois polinários de G. bufonia no escutelo. D)
Eufriesea violacea visitando Cirrhaea saccata.
E) Coluna de C. saccata. F) Euglossa chalybeata iopoecila
com polinário de Cirrhaea aderido em uma pata.
Figura
12: A-B) Polinização de Notylia nemorosa
(Epidendroideae: Oncidiinae) por abelhas Euglossini. A) Abelhas
vistando inflorescência. B) Abelha com dois polinários
aderidos no labrum. C) Macho de Euglossa visitando flor
de Macradenia rubescens (Oncidiinae). D-E) Protandria
em Macradenia (Oncidiinae). D) Fase masculina (estigma
fechado). E) Fase feminina (estigma aberto).
|