ORQUÍDEAS BRASILEIRAS E ABELHAS
Texto e fotos: Rodrigo B. Singer
Agradecimentos a Rosana Farias-Singe
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ABELHAS APIDAE :

ABELHAS EUGLOSSINI

Com pouco mais de 200 espécies, e apenas cinco gêneros (Aglae, Eufriesea, Euglossa, Eulaema e Exaerete), as abelhas Euglossini são de grande importância na polinização de orquídeas neotropicais. Algumas subtribos de orquídeas neotropicais (Catasetiinae, Stanhopeinae) são exclusivamente polinizadas por machos destas abelhas. Os machos de abelhas Euglossini visitam as flores para coletar compostos aromáticos, terpenos e sesquiterpenos que são secretados por regiões especializadas do labelo. Estas abelhas apresentam adaptações morfológicas para a coleta destas substâncias. As substâncias são raspadas com estruturas como esponjas no primeiro par de patas e transferidas em vôo para estruturas esponjosas no segundo e terceiro par. No terceiro par de patas observa-se uma grande dilatação das tíbias, onde os compostos são estocados pelas abelhas. A função destes compostos é motivo de debate e ainda não foi esclarecida, mas é possível que intervenham no processo de acasalamento, como fator de reconhecimento específico e/ ou de seleção sexual (Lunau 1992, Singer & Koehler 2003). Nos anos 60, a síntese de muitos dos compostos atrativos para machos de Euglossini permitiu utilizar estes compostos como ferramentas para o estudo da polinização de orquídeas. Pedaços de papel são embebidos nestes compostos químicos e a seguir são colocados em locais bem expostos ao vento. Machos de Euglossini atraídos nas iscas são capturados e verifica-se se eles estão ou não carregando polinários de orquídeas. Quando já existe um levantamento florístico das orquídeas do local, com freqüência é possível determinar os polinários a nível de gênero e espécie. Esta metodologia permitiu estudar as interações entre comunidades de orquídeas e suas abelhas polinizadoras. Existem completos censos de abelhas Euglossini (e dos polinários de orquídeas que elas eventualmente carregam) para algumas regiões da América Central (Ackerman 1982, Roubik & Ackerman 1986) e, mais recentemente, para a região de Picinguaba (Município de Ubatuba, São Paulo) (Singer & Sazima 2004, no prelo). Em geral, todos estes trabalhos apresentam alguns pontos em comum: nem todas as espécies de Euglossini de uma localidade estão envolvidas em polinização de orquídeas. Entre 22 e 30 % das espécies de uma determinada comunidade de Euglossini, não apresentaram quaisquer inter-relação evidente com espécies de orquídeas. Isto pode parecer paradoxal, mas acontece que as abelhas Euglossini podem conseguir os compostos aromáticos não apenas em orquídeas, mas também em flores de outras famílias de angiospermas (algumas Araceae, Apocynaceae, Bignoniaceae, Euphorbiaceae, etc.), bem como em outras fontes não florais (seiva de árvores, madeira podre, fungos, etc.). A seguir, alguns grupos de orquídeas representativas da Flora Brasileira e que são polinizadas por machos de abelhas Euglossini.

Subfamília Epidendroideae, subtribo Catasetiinae: todas as espécies desta subtribo são polinizadas por machos de abelhas Euglossini. Nos gêneros Catasetum e Cycnoches verifica-se a produção de flores unissexuais (flores masculinas e femininas em plantas diferentes) (Figuras 8 e 9). As flores femininas em geral são esverdeadas, mais duradouras e coriáceas. As flores masculinas são mais coloridas e efêmeras. Ao que parece, o que determina o sexo das flores que vão ser produzidas é a quantidade de luz solar recebida pela planta: plantas expostas a sol pleno produzem flores femininas; aquelas crescendo em locais mais sombrios, produzem flores masculinas. As flores masculinas do gênero Catasetum são famosas pelo modo de aderir o polinário nos polinizadores. O polinário encontra-se em tensão, rodeado por dois apêndices da coluna denominados “antenas”. Quando as abelhas raspam o labelo procurando os compostos aromáticos e contatam as antenas, o polinário é ejetado no dorso das abelhas. Em geral, o polinário se adere no escuto (Figura 8), mas pode acontecer que ele se fixe acidentalmente em alguma pata ou até nas asas (e, neste caso, impossibilitando o vôo da abelha).

Subfamília Epidendroideae, subtribo Stanhopeinae: esta subtribo de orquídeas é também polinizada na sua totalidade por machos de abelhas Euglossini a procura de compostos aromáticos. Estas flores apresentam amiúde complexas morfologias florais e mecanismos de polinização envolvendo flores armadilha (gênero Coryanthes) onde o polinizador é temporariamente retido na cavidade do labelo ou flores pendentes, onde o polinizador escorrega e cai sobre a coluna, deslocando o polinário (Stanhopea, Gongora) (Figura 11). Há também mecanismos de polinização menos complexos, onde a flor toda atua como plataforma de pouso e os polinários se aderem na região ventral ou nas patas dos polinizadores (gênero Cirrhaea) (Figura 11). Nesta subtribo de orquídeas são freqüentes mecanismos prevenindo a autopolinização. Em muitas espécies, a cavidade estigmática é muito reduzida e é preciso que o polinário se desidrate consideravelmente para poder ser inserido nela. Este mecanismo dificulta que uma abelha deposite um polinário na mesma inflorescência onde o adquiriu (pelo menos, durante a mesma visita) e, portanto, aumenta as chances de polinização cruzada.

Subfamília Epidendroideae, subtribo Zygopetaliinae: a literatura antiga (van der Pijl & Dodson 1966 e obras ali citadas) sugere que a polinização por machos de abelhas Euglossini seja importante nesta subtribo de orquídeas. De fato, um grande número de orquídeas desta subtribo do Norte da América do Sul e América Central são polinizadas por machos destas abelhas. Na região sudeste do Brasil, no entanto, outras mamangavas (abelhas Bombus?) devem também ser importantes polinizadores. Embora a literatura antiga sugira que Zygopetalum seja polinizado por machos de Euglossini (van der Pijl & Dodson 1966), nossas observações de campo ao longo de muitos anos não trouxeram qualquer evidência sustentando esta idéia (Singer & Gerlach 2002). Pudemos, no entanto, constatar que Promenaea stapelioides (epífita mais ou menos comum no litoral de São Paulo) é polinizada por machos de Euglossa cf. ignita, que carregam os polinários na nuca (Figura 10).

Subfamília Epidendroideae, subtribo Oncidiinae: esta subtribo de orquídeas apresenta diferentes estratégias e polinização e, como vimos antes, muitas espécies são polinizadas por abelhas Apidae coletoras de óleos. Há, no entanto, alguns gêneros de orquídeas Oncidiinae que oferecem compostos aromáticos no labelo e são, portanto, polinizados por machos de abelhas Euglossini. Todas as espécies do gênero Notylia (incluindo Macroclinium) são polinizadas enquanto machos Euglossini raspam o labelo para obter compostos aromáticos (Singer & Koehler 2003a, Singer & Sazima 2004, em prensa) (Figura 12). Em Notylia, verifica-se a ocorrência de 1) protandria e 2) auto-incompatibilidade (impossibilidade de se formar frutos através de autopolinização, por aborto das flores autopolinizadas). As flores recém abertas apresentam a cavidade estigmática fechada e podem apenas atuar como doadoras de pólen. Após uns 2 ou 3 dias, a cavidade estigmática se abre e a flor pode agora atuar como receptora de pólen e ser polinizada. As abelhas tendem a visitar todas as flores disponíveis em toda a planta e, visto que ambas fases florais podem coexistir na mesma planta ou inflorescência, ocorrem algumas autopolinizações e abortos induzidos pelos polinizadores (Singer & Koehler 2003a). Recentemente (Singer & Gerlach 2002) pudemos verificar a presença de polinários de uma orquídea Oncidiinae (provisoriamente identificados como Rodrigueziopsis) no primeiro par de patas de machos de Euglossa iophyrra. Através da análise de mais polinários, bem como pela sua comparação com polinários de flores vivas, hoje se pode afirmar que esses polinários pertencem na verdade a Warminga eugenii, uma pequena Oncidiinae epífita, filogeneticamente muito próxima de Notylia. Ainda, pudemos verificar a visita de machos de abelhas Euglossini em flores cultivadas de Macradenia paraense. Macradenia é também filogeneticamente próximo de Notylia e, como ela, apresenta protandria (Figura 12). Estes fatos sugerem que a polinização por machos de Euglossini seja um fato generalizado em um clado de Oncidiinae composto por estes gêneros (Singer & Koehler 2003a).

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Figura 8: Polinização de Catasetum spp (Epidendroideae: Catasetiinae) por abelhas Euglossini. Flores masculinas. A-B) Flores masculinas de Catasetum barbatum. C) Eufriesea violascens visitando flor de Catasetum fimbriatum. D) Eufriesea violascens com dois polinários de C. barbatum aderidos no dorso.

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Figura 9: Polinização de Catasetum spp (Epidendroideae: Catasetiinae) por abelhas Euglossini. Flores femininas. A) Seção longitudinal de flor feminina de Catasetum trulla. B-C) Abelhas Euglossa visitando flores femininas de Catasetum barbatum.

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Figura 10: Polinização de Promenaea stapelioides (Epidendroideae: Zygopetaliinae) por abelhas Euglossini. A) flor de P. stapelioides. B) Coluna de P. stapelioides, mostrando o polinário. C) Euglossa cf. ignita com polinário aderido na região occipital.

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Figura 11: Euglossini e orquídeas da subtribo Stanhopeinae. A) Eufriesea violacea polinizando Gongora bufonia (note-se que o animal tem um polinário aderido no escutelo). B) Coluna de G. bufonia. C) Eufriesea violacea com dois polinários de G. bufonia no escutelo. D) Eufriesea violacea visitando Cirrhaea saccata. E) Coluna de C. saccata. F) Euglossa chalybeata iopoecila com polinário de Cirrhaea aderido em uma pata.

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Figura 12: A-B) Polinização de Notylia nemorosa (Epidendroideae: Oncidiinae) por abelhas Euglossini. A) Abelhas vistando inflorescência. B) Abelha com dois polinários aderidos no labrum. C) Macho de Euglossa visitando flor de Macradenia rubescens (Oncidiinae). D-E) Protandria em Macradenia (Oncidiinae). D) Fase masculina (estigma fechado). E) Fase feminina (estigma aberto).