ORQUÍDEAS BRASILEIRAS E ABELHAS
Texto e fotos: Rodrigo B. Singer
Agradecimentos a Rosana Farias-Singe
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MIMETISMO SEXUAL OU “PSEUDOCÓPULA”

Dentre as estratégias de atração de polinizadores por engodo, talvez a mais espetacular seja a assim denominada polinização por “pseudocópula”. Nestas orquídeas, as fragrâncias florais mimetizam os feromônios sexuais de fêmeas de insetos (normalmente Hymenoptera). Ainda, há um conjunto de caracteres florais que reforçam a semelhança das flores com as fêmeas dos insetos mimetizados. Assim, as flores normalmente apresentam colorações escuras ou apagadas e o labelo apresenta-se piloso, superficialmente semelhante com um inseto. Insetos machos atraídos pela fragrância floral pousam nas flores e tentam copular com elas, levando ao processo de polinização e fertilização ao longo de sucessivas visitas florais (van der Pijl & Dodson 1996, Dressler 1993). Esta estratégia de polinização foi particularmente bem documentada em orquídeas européias e australianas (Van der Cingel 1995 e 2001). Nestas orquídeas, as flores normalmente são polinizadas por um breve período de tempo que coincide com a emergência de machos de insetos sazonais. Neste período não há fêmeas disponíveis no ambiente e os machos destes insetos tentam copular com as flores, polinizando-as. Quando as fêmeas finalmente emergem, os machos se tornam capazes de discernir entre as flores e as “fêmeas verdadeiras”, ignorando as primeiras (Van der Pijl & Dodson 1966). Evidências recentes, no entanto, sugerem que ao menos em alguns casos, as flores podem continuar sendo atrativas para os machos após a emergência das fêmeas (Ayasse et al., 2003).

Estudos recentes demonstraram que o fenômeno de “pseudocópula” ocorre pelo menos em dois gêneros de orquídeas neotropicais da subtribo Maxillariinae (Singer 2002, Singer et. al., 2004). Curiosamente, ambas as orquídeas apresentam atributos que parecem conflitar com o que se sabia sobre pseudocópula em orquídeas do Velho Mundo: ambas as espécies apresentam longos períodos de florada, ou seja, flores são produzidas em pequeno número, mais praticamente na maior parte do ano. Como se explica isto?

A explicação é muito interessante: nas espécies até agora estudadas no Brasil, a polinização depende não de abelhas solitárias e sazonais, mas de abelhas eusociais (concretamente, Meliponini). As abelhas Meliponini vivem em colméias perenes onde machos, rainhas e operárias são produzidos várias vezes, ao longo do ano. Portanto, na maior parte do ano, haverá machos disponíveis que poderão ser atraídos pelas flores (Singer 2002, Singer et. al., 2004). Ainda, a diferença das rainhas, que são produzidas em números moderados, os machos são produzidos em grandes quantidades. Portanto, há sempre uma grande probabilidade que um número significativo de zangões não contatem nunca uma rainha verdadeira, aumentando as chances destas abelhas serem enganadas pelas flores.

A seguir são descritos brevemente os dois casos de “pseudocópula” que puderam ser documentados até o momento. Análises das fragrâncias florais destas orquídeas, bem como testes de eletroantenograma estão sendo feitos em colaboração com a equipe da Dra. Anita J. Marsaioli (Instituto de Química, UNICAMP).

Trigonidium obtusum
Já em 1962, Kerr e López perceberam que zangões de Plebeia droryana (Figura 16) tentavam copular com as flores de Trigonidium obtusum, mas sugeriram que as abelhas deviam ser pequenas demais para serem os polinizadores efetivos das flores. Em 2002, Singer consegue acompanhar todo o processo da polinização. As flores são afuniladas e eretas e não apresentam qualquer parte do perianto semelhante a um inseto. Zangões tentam copular ora com as sépalas ou com as pétalas e escorregam na cavidade floral onde são temporariamente retidos. Tentando sair da flor, alguns machos acessam a cavidade entre o labelo e a coluna e aderem o polinário no escutelo (Figura 16), como acontece em muitas outras orquídeas Maxillariinae. As políneas são muito grossas no momento de serem deslocadas da coluna e precisam passar por uma desidratação para poder encaixar na cavidade estigmática. As políneas só estão em condições de entrar no estigma uns 40 minutos após a remoção do polinário. Este mecanismo aumenta as chances de polinização cruzada (Singer 2002). Esta combinação de atração sexual e flores armadilha e até hoje apenas conhecida para T. obtusum (Singer 2002). A fragrância floral de T. obtusum é relativamente simples e primariamente composta por pentadecano (Flach et al., 2004)

Mormolyca ringens
Mormolyca ringens
não é nativa do Brasil. No entanto, seus polinizadores apresentam uma ampla distribuição nos Neotrópicos, o que permitiu que o processo de polinização fosse acompanhado em plantas cultivados no Orquidário da ESALQ (USP-Piracicaba) (Singer et. al., 2004). Os polinizadores são zangões de Nannotrigona testaceicornis e Scaptotrigona sp (ambos Meliponini) (Figura 17). As flores de Mormolyca apresentam um forte paralelismo com as do gênero Ophrys (Subfamília Orchidoideae), onde o fenômeno de pseudocópula foi originalmente descrito. As flores são de cor amarronzada, com estrias cor de vinho. O labelo é piloso e superficialmente semelhante com um inseto. Os zangões tentam copular com o labelo das flores e aderem o polinário no escutelo durante o processo (Figura 17). Diferente de Trigonidium, não há qualquer mecanismo morfológico favorecendo a polinização cruzada e flores que sejam autopolinizadas pelos zangões abortarão em 7-10 dias, já que as flores de M. ringens são autoincompatíveis. A fragrância floral de M. ringens apresenta 31 componentes principais (Singer et al, 2004).

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Figura 16: polinização por “pseudocópula” em Trigonidium obtusum (Epidendroideae: Maxillariinae). A-B) Zangões de Plebeia droryana tentando copular com as sépalas da flor. C) Zangão retido na cavidade floral (note-se que ele já aderiu um polinário no escutelo). D) Zangão de Plebeia droryana com um polinário aderido no escutelo.

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Figura 17: polinização por “pseudocópula” em Mormolyca ringens (Epidendroideae: Maxillariinae). A) Zangão de Nannotrigona testaceicornis tentando copular com a flor. B) Zangão de Scaptotrigona sp tentando copular com flor. C) Zangão de Nannotrigona com polinário aderido no escutelo.