MIMETISMO
SEXUAL OU “PSEUDOCÓPULA”
Dentre as estratégias
de atração de polinizadores por engodo, talvez a mais
espetacular seja a assim denominada polinização por
“pseudocópula”. Nestas orquídeas, as fragrâncias
florais mimetizam os feromônios sexuais de fêmeas de
insetos (normalmente Hymenoptera). Ainda, há um conjunto
de caracteres florais que reforçam a semelhança das
flores com as fêmeas dos insetos mimetizados. Assim, as flores
normalmente apresentam colorações escuras ou apagadas
e o labelo apresenta-se piloso, superficialmente semelhante com
um inseto. Insetos machos atraídos pela fragrância
floral pousam nas flores e tentam copular com elas, levando ao processo
de polinização e fertilização ao longo
de sucessivas visitas florais (van der Pijl & Dodson 1996, Dressler
1993). Esta estratégia de polinização foi particularmente
bem documentada em orquídeas européias e australianas
(Van der Cingel 1995 e 2001). Nestas orquídeas, as flores
normalmente são polinizadas por um breve período de
tempo que coincide com a emergência de machos de insetos sazonais.
Neste período não há fêmeas disponíveis
no ambiente e os machos destes insetos tentam copular com as flores,
polinizando-as. Quando as fêmeas finalmente emergem, os machos
se tornam capazes de discernir entre as flores e as “fêmeas
verdadeiras”, ignorando as primeiras (Van der Pijl & Dodson
1966). Evidências recentes, no entanto, sugerem que ao menos
em alguns casos, as flores podem continuar sendo atrativas para
os machos após a emergência das fêmeas (Ayasse
et al., 2003).
Estudos recentes
demonstraram que o fenômeno de “pseudocópula”
ocorre pelo menos em dois gêneros de orquídeas neotropicais
da subtribo Maxillariinae (Singer 2002, Singer et. al., 2004). Curiosamente,
ambas as orquídeas apresentam atributos que parecem conflitar
com o que se sabia sobre pseudocópula em orquídeas
do Velho Mundo: ambas as espécies apresentam longos períodos
de florada, ou seja, flores são produzidas em pequeno número,
mais praticamente na maior parte do ano. Como se explica isto?
A explicação
é muito interessante: nas espécies até agora
estudadas no Brasil, a polinização depende não
de abelhas solitárias e sazonais, mas de abelhas eusociais
(concretamente, Meliponini). As abelhas Meliponini vivem em colméias
perenes onde machos, rainhas e operárias são produzidos
várias vezes, ao longo do ano. Portanto, na maior parte do
ano, haverá machos disponíveis que poderão
ser atraídos pelas flores (Singer 2002, Singer et. al., 2004).
Ainda, a diferença das rainhas, que são produzidas
em números moderados, os machos são produzidos em
grandes quantidades. Portanto, há sempre uma grande probabilidade
que um número significativo de zangões não
contatem nunca uma rainha verdadeira, aumentando as chances destas
abelhas serem enganadas pelas flores.
A seguir são
descritos brevemente os dois casos de “pseudocópula”
que puderam ser documentados até o momento. Análises
das fragrâncias florais destas orquídeas, bem como
testes de eletroantenograma estão sendo feitos em colaboração
com a equipe da Dra. Anita J. Marsaioli (Instituto de Química,
UNICAMP).
Trigonidium obtusum
Já em 1962, Kerr e López perceberam que zangões
de Plebeia droryana (Figura 16)
tentavam copular com as flores de Trigonidium obtusum,
mas sugeriram que as abelhas deviam ser pequenas demais para serem
os polinizadores efetivos das flores. Em 2002, Singer consegue acompanhar
todo o processo da polinização. As flores são
afuniladas e eretas e não apresentam qualquer parte do perianto
semelhante a um inseto. Zangões tentam copular ora com as
sépalas ou com as pétalas e escorregam na cavidade
floral onde são temporariamente retidos. Tentando sair da
flor, alguns machos acessam a cavidade entre o labelo e a coluna
e aderem o polinário no escutelo (Figura 16),
como acontece em muitas outras orquídeas Maxillariinae. As
políneas são muito grossas no momento de serem deslocadas
da coluna e precisam passar por uma desidratação para
poder encaixar na cavidade estigmática. As políneas
só estão em condições de entrar no estigma
uns 40 minutos após a remoção do polinário.
Este mecanismo aumenta as chances de polinização cruzada
(Singer 2002). Esta combinação de atração
sexual e flores armadilha e até hoje apenas conhecida para
T. obtusum (Singer 2002). A fragrância floral de
T. obtusum é relativamente simples e primariamente
composta por pentadecano (Flach et al., 2004)
Mormolyca ringens
Mormolyca ringens não é nativa do Brasil. No
entanto, seus polinizadores apresentam uma ampla distribuição
nos Neotrópicos, o que permitiu que o processo de polinização
fosse acompanhado em plantas cultivados no Orquidário da
ESALQ (USP-Piracicaba) (Singer et. al., 2004). Os polinizadores
são zangões de Nannotrigona testaceicornis e
Scaptotrigona sp (ambos Meliponini) (Figura 17).
As flores de Mormolyca apresentam um forte paralelismo
com as do gênero Ophrys (Subfamília Orchidoideae),
onde o fenômeno de pseudocópula foi originalmente descrito.
As flores são de cor amarronzada, com estrias cor de vinho.
O labelo é piloso e superficialmente semelhante com um inseto.
Os zangões tentam copular com o labelo das flores e aderem
o polinário no escutelo durante o processo (Figura
17). Diferente de Trigonidium,
não há qualquer mecanismo morfológico favorecendo
a polinização cruzada e flores que sejam autopolinizadas
pelos zangões abortarão em 7-10 dias, já que
as flores de M. ringens são autoincompatíveis.
A fragrância floral de M. ringens apresenta 31 componentes
principais (Singer et al, 2004).
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Figura
16:
polinização por “pseudocópula”
em Trigonidium obtusum (Epidendroideae: Maxillariinae).
A-B) Zangões de Plebeia droryana tentando copular
com as sépalas da flor. C) Zangão retido na cavidade
floral (note-se que ele já aderiu um polinário no
escutelo). D) Zangão de Plebeia droryana com um
polinário aderido no escutelo.
Figura
17: polinização por “pseudocópula”
em Mormolyca ringens (Epidendroideae: Maxillariinae). A)
Zangão de Nannotrigona testaceicornis tentando copular
com a flor. B) Zangão de Scaptotrigona sp tentando
copular com flor. C) Zangão de Nannotrigona com
polinário aderido no escutelo.
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